Múltiplas crises, poucas saídas

Anderson Barreto Moreira

Qual é a melhor forma de superar uma crise gerada pela derrota em uma guerra? Ou após uma saída atabalhoada da União Europeia? Ou de uma crise de abastecimento de energia mundial? Gerando outra crise, é claro. Pelo menos foi esse o impacto do anúncio feito pelo eixo Estados Unidos-Reino Unido sobre o novo acordo militar com a Austrália, denominado AUKUS. O pacto tem apenas um objetivo estratégico, implícito, mas que se revela a cada linha: conter a China. No entanto, ele ignora que o avanço chinês vai muito além da dimensão militar.


O acordo em si já demonstra o quanto a hegemonia pós-1945 está sendo abalada. Com ele, a Austrália entra no seleto grupo de países que possuem submarinos de propulsão nuclear, bem como com a perspectiva de transferência de tecnologia de construção desses submarinos. Em troca, terá a tarefa de “garantir a paz” no Indo-Pacífico. Os precedentes que se abrem são muitos e elevam ainda mais as tensões geopolíticas. Imaginemos, só por um instante, que Rússia e China façam o mesmo em relação a seus parceiros.

O anúncio[1] de 15 de setembro foi feito em conjunto pelos três representantes. Para o primeiro- ministro australiano, Scott Morrison: “nosso mundo está se tornando mais complexo, especialmente aqui em nossa região, o Indo-Pacífico. Isso afeta todos nós. O futuro do Indo-Pacífico impactará os nossos futuros.” Joe Biden – além de enfatizar a necessidade de garantir a “prosperidade e segurança” na região – agradeceu aos parceiros que se uniram nessa “missão estratégica”. Para lembrá-los da aliança histórica fez um pequeno memorial das guerras promovidas pelo imperialismo durante o século XX: ressaltou os mais de 100 anos lutando “ombro-a-ombro” durante as duas guerras mundiais, nos “invernos na Coréia” e no “calor escaldante do Golfo Pérsico”. Já o primeiro-ministro britânico Boris Johnson foi breve, e apesar de enfatizar as “preocupações com o Indo-Pacífico” parecia estar mais concentrado nos empregos que a construção da frota pode gerar “[…] criando centenas de empregos altamente qualificados em todo Reino Unido, incluindo na Escócia, o norte da Inglaterra, e Midlands […]”. Para um país com séria crise de abastecimento de inúmeros produtos e combustível, realmente parece uma boa oportunidade de negócios.

A China respondeu energicamente, denunciando a irresponsabilidade e a mentalidade de Guerra Fria que tem conduzido as potências ocidentais. Uma corrida armamentista e o aumento das tensões na região terão impactos negativos não apenas para China, mas inclusive para um conjunto de países aliados dos Estados Unidos, já que pela região escoa quase um terço da produção industrial mundial. Isso não parece preocupar as decisões dos países que há muito são controlados pela lógica financeira.

O trio também não se importou muito em dar “uma facada pelas costas”[2] na aliada França. O país tinha um acordo de 56 bilhões de euros desde de 2016 com a Austrália para a produção de 12 submarinos convencionais. Entretanto, apesar das duras falas iniciais, a França pouco pode fazer em um momento em que a própria União Europeia se encontra cada vez mais fragmentada e sem a mão de ferro de Angela Merkel, que após 16 anos deixa o poder vendo seu partido ser derrotado pelos sociais-democratas. Não bastasse isso, uma crise de abastecimento de energia assola a Europa às vésperas do inverno, com subida vertiginosa dos preços e tarifas em muitos países. As causas são diversas e, apesar da matriz energética variada, muitos dependem do gás natural produzido pela estatal russa Gazprom, principal fornecedora de países como a Alemanha e a Áustria. Em setembro, Rússia e Alemanha inauguraram o gasoduto Nord Stream 2, que liga diretamente os dois países via Mar Báltico e permitirá dobrar as exportações de gás russo. Some-se a isso os planos de transição para energias limpas do bloco, que prevê o fim do uso de energias fósseis. É nesse contexto que a Europa se encontra nesse momento.

Na China, mudanças internas estão em andamento em vários setores. Anunciada como a nova hecatombe financeira, a crise da Evergrande, uma das maiores incorporadoras imobiliárias do mundo, é exemplo de como tem agido o governo chinês: todos aguardavam generosos empréstimos à empresa para “salvar o setor”. Se deu exatamente o contrário: o governo está adotando medidas para um “pouso suave” e retomando o controle do setor – “casas são para morar, não para especular” – disse Xi Jinping. Outro exemplo: o presidente Xi anunciou na ONU que a China deixará de participar das construções de usinas de carvão no mundo, o que significa que 70% das usinas de todo planeta deixarão de contar com aporte chinês. Tal decisão afeta internamente o país, que vem reorientando suas prioridades de produção, já que sua matriz energética ainda é em boa parte oriunda do carvão e as relações com a Austrália, um dos principais fornecedores da matéria-prima, estão no nível mais baixo das últimas décadas.

Se a crise entre aliados do eixo do Atlântico Norte deixa claro que pouco se preocupam com alternativas coletivas e recorrem a saídas velhas e pouco criativas para a crise atual – provocações e produção de armas – o bloco sino-russo seguirá ampliando seu espaço. No 6o Fórum Econômico Oriental[3], realizado na Rússia com mais de 65 países, foram fechados quase 400 acordos no valor de 49 bilhões de dólares com uma diversidade de países como China, Japão, Cazaquistão, Etiópia, Áustria, entre outros[4]. A cada avanço dos Estados Unidos e aliados em direção a fragmentação, a necessidade de prestarmos atenção ao que vem do leste aumenta. Não há respostas prontas, mas há caminhos sendo trilhados, é preciso ajudar a construí-los.

Notas:

1. https://www.whitehouse.gov/briefing-room/speeches-remarks/2021/09/15/remarks-by-president-biden-prime-minister-morrison-of-australia-and-prime-minister-johnson-of-the-united-kingdom-announcing-the-creation-of-aukus/

2. https://operamundi.uol.com.br/politica-e-economia/71353/em-rechaco-a-alianca-militar-aukus-franca-convoca-
embaixadores-nos-eua-e-na-australia.

3. https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/afeganistao/71523/forum-economico-oriental-evidenciou-alianca-historica-jamais-vista-na-asia

4. https://tass.com/economy/1334595

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