14 DE ABRIL DE 2021
Observatório do Capitalismo Contemporâneo – Financeirização na Educação
Março de 2021
Já passaram-se três meses do ano, e os problemas da educação continuam os mesmos: cortes no orçamento, precarização da infraestrutura tecnológica, aulas presenciais sem condições sanitárias e predomínio dos interesses privados. Mas aos poucos a sociedade começa a reagir e impor algumas derrotas ao autoritarismo do governo.
Desconectados
Em tempos de terra plana, seria demais esperar bom senso dos governantes. Pelo menos não do ministro da Educação (MEC), Milton Ribeiro, que durante audiência da Comissão de Educação do Congresso afirmou que “despejar dinheiro na ponta não é política pública”. O argumento do ministro não é só um atentado à razão, mas também uma tentativa de naturalizar a miséria e a precariedade.
Ribeiro fala como se os investimentos fossem grandes, mas não atingissem os resultados esperados. A realidade, porém, é inversa. O problema não foi só a trapalhada do governo com os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), R$ 766 milhões distribuídos equivocadamente para municípios de nove estados do país. O maior problema é que o orçamento votado no Congresso para este ano prevê um corte da ordem de 27% na educação em relação ao orçamento do ano passado. Frente a esse cenário, representantes das universidades federais calculam que perderão cerca de R$ 1,2 bilhão em 2021, o que vai comprometer muitas atividades de ensino, pesquisa e extensão e intensificará a evasão.
Uma das áreas que já vem sendo seriamente afetada é o acesso à internet, que se tornou um recurso de primeira necessidade durante a pandemia. No ano passado, o Programa Educação Conectada do governo federal, que visa universalizar o acesso à internet no Ensino Básico, teve um corte de 54% em relação a 2019. Já este ano, Bolsonaro vetou o PL 3477/20 aprovado pela Câmara dos Deputados. O projeto, de autoria do deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), foi aprovado em dezembro passado e previa o repasse de R$ 3,5 bilhões a estados e municípios para melhorar a rede de telecomunicações das escolas públicas. Calcula-se que cerca de 18 milhões de estudantes seriam beneficiados pela medida. A justificativa do governo para o veto é que o repasse afetaria a “regra de ouro” do teto fiscal. No entanto, o valor previsto é similar ao montante que as igrejas pagariam à União se suas dívidas não tivessem sido perdoadas pelo Congresso. Como se vê, são questões de prioridade.
Por outro lado, o Congresso derrubou o veto que Bolsonaro tinha dado em dezembro ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). Com esta derrubada, o governo fica obrigado a instalar internet banda larga em todas as escolas públicas do país até 2024. Ainda assim, parece que a cada ano estamos mais distante dessa meta: em 2019, 18% das escolas públicas em territórios urbanos não tinham internet; em 2020, esse índice cresceu para 20%. Confirmando que o governo é a vanguarda do atraso do país no que se refere à tecnologia, em março foi tirada do ar a única emissora brasileira voltada para surdos, a TV Ines, ligada ao MEC e administrada pela Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp).
Um grande passado pela frente
Como se a ausência de condições tecnológicas mínimas já não fosse o suficiente para inviabilizar um ensino de qualidade, a prioridade do MEC e seus quadros é a volta ao passado. A contrapartida do descaso com o acesso à tecnologia é a aposta na aprovação do ensino domiciliar ainda neste semestre. Disputam protagonismo em torno deste tema o pastor e ministro Milton Ribeiro e a pastora Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, o que revela a simpatia da base evangélica com a proposta. Porém, o assunto é polêmico e, além do PL 3179/12 sob responsabilidade da deputada Luisa Canziani (PTB-PR), tramitam na Câmara outros sete projetos sobre o assunto, alguns inclusive contrários ao ensino domiciliar.
Já em relação aos quadros do MEC, a professora Sandra Lima Vasconcelos Ramos foi indicada para coordenar a área de materiais didáticos. Além de ser ligada ao movimento Escola Sem Partido, Sandra também é conhecida por defender o criacionismo. A indicação é atribuída à influência de Carlos Nadalim, Secretário de Alfabetização do MEC, considerado um dos principais expoentes da ala olavista dentro do Ministério. Enquanto isso, no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Diretoria de Educação Básica, responsável dentre outras coisas pela elaboração do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ficará a cargo do tenente-coronel da aeronáutica Alexandre Gomes da Silva.
Ironicamente, foi esse mesmo governo completamente ideologizado que acusou professores e servidores de “imoralidade administrativa” por manifestarem divergência política e tentou barrar atos dentro das universidades, recuando somente depois de muita pressão. Além da perseguição, o governo busca reduzir ao máximo a participação nos processos decisórios. Exemplo disso foi a dissolução do grupo de especialistas que vinha discutindo a renovação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e que agora ficou restrita à secretaria executiva do MEC. Outro exemplo foi o decreto 10.660 que restringe a participação da sociedade civil no Comitê Permanente de Avaliação de Custos na Educação Básica do MEC, responsável por discutir o financiamento do ensino. Em carta, entidades ligadas à educação repudiam a medida e reivindicam a suspensão do decreto.
Felizmente, a sociedade vem reagindo e conseguindo impor alguns freios ao espírito autoritário do governo. No caso da nomeação de interventores nos institutos federais, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o decreto presidencial por inconstitucionalidade. Houve também um acerto de contas com o ex-ministro Abraham Weintraub, condenado recentemente na justiça a pagar uma indenização por danos morais coletivos aos professores. A condenação se deve aos diversos absurdos ditos por ele enquanto esteve à frente do MEC, como dizer que as universidades têm “plantações extensivas” de maconha e que os laboratórios de química eram utilizados para desenvolver “droga sintética”. A sociedade começa a reagir, apesar das restrições impostas pela pandemia. Mobilizações de estudantes e educadores são retomadas, como a campanha “Vida, pão, vacina e educação”, convocada pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), União Nacional dos Estudantes (UNE) e Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).
Pulsão de morte
Todos sabemos que o mês de março foi o pior até agora no país em número de casos e mortes causadas pelo novo coronavírus. Neste contexto, a discussão sobre o retorno às aulas presenciais arrefeceu. Apesar disso, em pleno auge da pandemia, há setores que seguem pressionando pela abertura das escolas. Um desses setores é a equipe de Paulo Guedes. Segundo a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, o fechamento das escolas trouxe impactos financeiros negativos, contribuindo para a queda do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e seus efeitos podem durar 15 anos. Segundo o subsecretário Erik Faria, “isso deveria ser visto como uma janela de oportunidade e depõe contra o fechamento prolongado das escolas.”
Um dos artifícios que estão sendo utilizados para pressionar pelo retorno às aulas presenciais são os decretos municipais que passam a considerar a educação como atividade essencial. Porém, como alerta Gilson Reis na Carta Capital, os países que adotaram este caminho investiram pesado em infraestrutura e procedimentos de segurança sanitária, o que não foi feito aqui. Só para se ter uma ideia da situação, segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2019, a ventilação é inadequada em mais da metade das escolas públicas do país e, de acordo com os dados do Censo Escolar, o número de escolas públicas sem banheiro aumentou de 2,4% em 2019 para 3,2% em 2020.
Apesar disso, as pressões continuam. Em São Paulo, depois que a educação passou a ser considerada atividade essencial, um autodenominado Movimento Escolas Abertas argumenta que estes espaços não poderiam ser mais fechados. Do outro lado, o Movimento Famílias pela Vida critica a flexibilização e reivindica atividades remotas, acesso à internet, auxílio emergencial, aumento da testagem, lockdown efetivo e esforços para aquisição de vacinas. Enquanto isso, na capital paulista, as escolas de educação infantil já preparam uma ofensiva judicial contra a prefeitura para evitar a prorrogação do fechamento. Sem contar aquelas instituições que burlam descaradamente a lei, como seis escolas particulares de Guarulhos (SP) que continuaram funcionando apesar das restrições.
No Rio Grande do Sul, é o governo do Estado quem recorre à justiça para tentar reabrir as escolas, enquanto no Distrito Federal, a Justiça rejeitou uma ação popular que pedia a suspensão do decreto que autorizou o retorno das atividades presenciais em creches, escolas e faculdades particulares. Já em uma escola particular de Santa Catarina, a situação chegou ao ponto do absurdo quando, durante uma visita de inspeção da Vigilância Sanitária, 20 crianças foram escondidas dentro do banheiro.
A boa notícia é que, ao tornar a educação atividade essencial, em alguns lugares os educadores se tornaram um grupo prioritário da vacinação. Assim, São Paulo, Paraná, Espírito Santo e Distrito Federal já têm data prevista para começar a imunização dos professores.
Cogumelos depois da chuva
O cenário atual também está afetando de diferentes maneiras o setor educacional privado. O desempenho econômico de alguns dos maiores grupos – Cogna, Yduqs e Ânima – que acumularam prejuízos no último trimestre de 2020, é o sinal de que a pandemia traz algumas dificuldades para o setor. A exceção foi o Ser Educacional, que acumulou um lucro de R$ 121 milhões no quarto trimestre, contrariando a tendência geral.
Segundo o diretor-presidente da Yduqs, Eduardo Parente, além dos impactos da pandemia, o encolhimento do Fies nos últimos anos contribuiu para a diminuição da margem de lucro. Parente afirmou ainda que só se espera alguma melhora a partir do segundo semestre de 2021. O mau desempenho atual é fruto do aumento da evasão, da inadimplência e da migração de estudantes da rede privada para a pública, como vem sendo registrado no estado de São Paulo. Outro sinal das dificuldades é o encolhimento do Programa Universidade para Todos (Prouni). Segundo dados da Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (Semesp), a oferta de vagas no Prouni ficou 34% menor, e o número de novos bolsistas caiu 38% em relação ao ano passado.
Apesar disso, nem todas as notícias são ruins no mundo corporativo. Uma das áreas que vem crescendo são as redes de ensino de inglês. Este é o caso da rede de franquia Enjoy, que passou de 65 para 127 escolas no último ano de funcionamento, e que pretende chegar a 200 estabelecimentos até o final de 2021.
Outra área que não para de crescer é a das Startups voltadas para a educação, também chamadas de EdTechs. Este ramo tem dois potenciais que vêm sendo explorados. Primeiro, interliga os pequenos investidores, criadores de Startups, com o mundo das grandes corporações, que acabam comprando os empreendimentos que deram certo. Segundo, comporta uma grande diversidade de iniciativas, desde aquelas empresas voltadas para um público mais amplo, até empresas voltadas para um público mais especializado e corporativo. Alguns exemplos recentes das negociações envolvendo EdTechs foram o investimento de R$ 280 milhões que a Startup argentina Digital House recebeu de investidores como Mercado Livre e Globant, a compra da plataforma Passei Direto pela Uol EdTech e a aquisição da PM3, que elabora cursos voltados para profissionais da área de tecnologia, pela Alura.