Um respirador artificial para a União Europeia

Sergio Ferrari, de Berna, Suíça

World Economic Forum/Ciaran McCrickard

Nesse momento, a União Europeia (UE) encontrou um respirador mecânico e, um pouco antes da asfixia política, conseguiu um acordo para lidar com a crise resultante do Covid-19. No entanto, o consenso é frágil, os traços das crises anteriores marcam sensibilidades e o futuro institucional continua por um fio.

Na noite de quinta-feira, 9 de abril, os 27 ministros das Finanças aprovaram um pacote de emergência, cujo processo consensual mostra as fortes contradições que atingiram o Velho Mundo.

O pacote de mais de 500 bilhões de euros compreende três itens. Uma linha de crédito de até 240 bilhões de euros através do Mecanismo Europeu de Estabilidade (Mede, por sua sigla em espanhol) com ênfase nas despesas direta ou indiretamente ligadas à pandemia. Busca prover as finanças públicas com créditos de até 2% do PIB de cada Estado solicitante. Por outro lado, 200 bilhões de euros para, principalmente, as pequenas e médias empresas. E 100 bilhões de euros para medidas ligadas à redução da jornada de trabalho, desemprego etc. A este pacote será agregado um plano de recuperação, ainda em aberto, logo que a crise acabar.

A Europa também tem um Norte e um Sul

Um dia antes do acordo ser alcançado, a UE protagonizou uma das jornadas mais dramáticas dos últimos tempos, quando a tentativa de encontrar uma resposta europeia conjunta à crise falhou. Após 16 horas de teleconferência do Eurogrupo -os ministros das finanças dos 27- que havia começado na tarde de terça-feira 7 e se estendido até a manhã desta quarta-feira 8, a verdadeira face institucional de um continente atravessado por diferentes visões, às vezes, opostas, veio à tona. Itália e Espanha, por um lado, e Holanda e outras nações do norte do continente, por outro.

A pandemia golpeia mortalmente a União Europeia há algumas semanas, e as previsões de especialistas preveem a pior crise desde a Segunda Guerra Mundial. França e Alemanha, as duas “locomotivas” da região, já enfrentam uma profunda recessão. Uma queda de quase 6% no Produto Interno Bruto da França em seu primeiro trimestre de 2020 -cada quinzena de confinamento implica uma queda de 1,5% no PIB-, a pior marca desde 1945. Enquanto a economia alemã deveria contrair-se, segundo estimativas preliminares, em 9,8% no segundo trimestre deste ano, o que implicaria uma recessão de nada menos que 4,2% ao longo do ano como um todo, mas pode chegar aos 5%.

Neste contexto, não faltam vozes críticas para a nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e para Christine Lagarde, que está à frente do Banco Central Europeu desde novembro passado, vinda da presidência do Fundo Monetário Internacional. Ambas sob os holofotes por não terem percebido desde o início o tamanho da crise e por não terem antecipado as respostas de emergência essenciais, que só agora, 70 dias após os primeiros casos na Itália, foram definidas.

Salve-se quem puder

A contradição planetária entre o “Norte” e o “Sul” global é replicada na Europa. Embora essa tensão não seja nova, à luz da crise sanitária adquire expressões regionais claras em dois polos confrontados: Itália X Holanda.

Como o diário francês Le Figaro analisou em sua edição online na quarta-feira 8, o principal problema do confronto foi localizado nos fundos distribuídos pelo Mede. Uma ferramenta temida e denegrida na Itália, onde grande parte do espectro político a vê como uma ameaça à soberania nacional.

O Governo e a classe política italiana não aceitam que quaisquer condições sejam impostas aos Estados, no entendimento de que se trata de uma situação de emergência excepcional. A Espanha também não aceitou esse tipo de apoio, acompanhado de demandas por ajustes estruturais e reformas. Os Países Baixos, por sua vez, defendiam uma posição extrema: limitar o uso potencial desses fundos a questões de saúde, porém, exigindo que os Estados que se beneficiem desse pacote coloquem suas finanças públicas em ordem a longo prazo.

Outra questão fundamental de divergência: as dívidas mútuas. Os italianos gostariam que a União Europeia aceitasse a emissão de “corona bônus” (eurobonos) como um instrumento de recuperação econômica. Mas, os países do Norte, liderados pelos Países Baixos, se opõem a isso.

Como o jornal italiano La Reppublica apontou na quarta-feira 8, a Itália pede à Europa recursos de longo prazo e de baixo custo para financiar investimentos que se tornaram indispensáveis na esteira da crise do Covid 19, como saúde, pesquisa, meio ambiente, logística e digitalização da administração pública. “Dada a sua baixa capacidade de crédito, esses recursos só podem ser obtidos através de dívida garantida por outros Estados, seja através da mutualidade, de corona bônus ou de eurobonos…”

Quase paralelamente, o Parlamento holandês havia votado duas iniciativas não vinculantes, insistindo que o Governo não aceitasse os eurobonos nas negociações em curso e mantivesse as exigências de condicionamento na utilização do Mede.

Enquanto isso, uma pesquisa publicada pelo mesmo jornal revelava a temperatura sociológica para o italiano médio. Esta pesquisa expressava o “declínio preocupante do espírito europeísta entre os italianos, como resultado da falta de solidariedade demonstrada pelas instituições comunitárias nesta fase de emergência”. Apenas um pouco mais de um terço (36%) dos italianos, de acordo com esta pesquisa, declaram ter confiança na União Europeia, o que demonstra uma queda de quase 10 pontos em relação a dois anos atrás.

O teste institucional da pandemia

Descrevendo a situação desde uma perspectiva inglesa, Katya Adler, editorialista europeia da BBC de Londres, em seu comentário na terça-feira, 7 de abril, se concentrou no papel da Alemanha.

Segundo ela, “Berlim rejeitou um pedido da Itália, da Espanha, da França e de outras nações do continente para compartilhar a dívida que surgirá da crise do Covid-19 sob a forma de eurobonos. Muitos italianos se sentem abandonados, como durante a crise migratória do euro.” E a editorialista lembrou que “na semana passada, um grupo de prefeitos italianos e outros políticos compraram uma página no jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung para lembrar a Alemanha de que nunca foi forçada a pagar suas dívidas após a Segunda Guerra Mundial”.

Embora a tensão principal passe entre Roma e Haia, nas últimas horas uma parte da imprensa alemã foi responsável por atiçá-la. “A máfia aguarda a ajuda da União Europeia”, escreveu o diário Die Welt em um artigo provocativo. E ressaltava que “os italianos devem ser controlados a partir de Bruxelas”. Isso provocou um protesto do Ministério das Relações Exteriores.

“Declaração vergonhosa e inaceitável. Espero que o governo alemão se distancie. A Itália lamenta as vítimas do coronavírus, mas chorou e lamenta as vítimas da máfia. Não é para polemizar, mas eu não aceito que neste momento façamos tais considerações”, enfatizou o chanceler Luigi de Maio em entrevista a Uno Mattina, reproduzida nos principais meios italianos.

Unidos ou sobrecarregados?

Apesar do plano de emergência de última hora, pouco antes do feriado da Páscoa, os consensos estratégicos na União Europeia hoje parecem tão frágeis quanto improváveis. A mesma União Europeia, que, há semanas, está novamente separada pelas fronteiras nacionais anteriores a 1995 e que constata o evidente enfraquecimento do Acordo de Schengen, que regula a livre circulação na área do mesmo nome.

A história recente do continente também define o quadro para muitas das atitudes e posições atuais. Tanto a crise financeira de 2008 quanto a crise migratória, com seu pico explosivo em 2015, deixaram o sul da Europa mais atingido, vulnerável e descrente. São esses mesmos países que hoje exigem uma resposta diferente, mais flexível e, sobretudo, coerente com os valores de uma Europa que, verdadeiramente, se compreenda como União.

Este acordo de 9 de abril, alcançado pela UE no último minuto, no entanto não resolve as grandes diferenças de fundo. Em tom diplomático, Bruno Le Maire, ministro das Finanças francês, falava do sucesso do resultado, observando “que não há bons acordos sem boas ambiguidades”.

Apesar do que foi assinado, as posições divergentes se mantêm. O Le Figaro que circulou na sexta-feira, 9 de abril, informou que o ministro das Finanças holandês Wopke Hoekstra avaliava que “o que foi decidido é bom o suficiente para nós. Mas para cada euro do Mede gasto na economia, as regras normais de condicionalidade terão que ser aplicadas em sua totalidade”.

O outro ponto controverso, o do corona bônus -como meio de assumir a dívida de forma compartilhada ou mutuamente por toda a UE- também não foi resolvido. Agora fala-se de um fundo para preparar e apoiar a recuperação. E isso inclui formulações como a inclusão de “instrumentos financeiros inovadores”, que cada setor pode entender como mais lhe convenha.

Diante do impacto desigual da pandemia, com estragos significativos nesta primeira fase na Itália, na França e na Espanha e com repercussões humanas menos impactantes no norte da Europa, o muro intra-europeu parece ter sido reforçado. A Europa doente e infectada, comovida em suas próprias raízes unitárias, é, hoje, um paciente a mais do coronavírus.

Tradução: Rose Lima

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