Miguel Enrique Stédile: “ O RS deve investir no mercado interno, na agricultura camponesa, na proteção da indústria local e no incentivo à pesquisa e desenvolvimento”

Encerrando a série que discute as saídas para a crise do Rio Grande do Sul, o entrevistado desta semana é o historiador e integrante do Front – Instituto de Estudos Contemporâneos, Miguel Enrique Stédile.

O Rio Grande do Sul foi um dos primeiros estados a construir um caminho próprio voltado para o desenvolvimento econômico e social, na primeira República. Em que momento este projeto foi abandonado e por quê?

Não creio que tenha sido abandonado. Ao contrário, penso que os projetos políticos em disputa no estado sempre tiveram em um dos polos a herança ou a essência deste projeto de desenvolvimento, como nos governos de Leonel Brizola na década de 1960 e de Olívio Dutra no final dos anos 1990. E no outro polo, como contraponto, um projeto conservador fundamentado na agricultura de monocultura e no latifúndio, com baixo valor agregado e imobilização de capital. Ironicamente, quando Getúlio Vargas moderniza o país e incentiva a industrialização nacionalmente, aqui, ele garante a manutenção do poder econômico desse setor agrário conservador, pouco dinâmico e que impede o desenvolvimento pleno do Estado, ainda que tenhamos algumas ilhas como Caixas do Sul ou o Vale dos Sinos, onde o dinamismo da pequena agricultura e comércio geraram um polo metal mecânico.

Nos últimos anos, a economia gaúcha organizou-se quase que definitiva e exclusivamente para a produção do agronegócio exportador que, por um lado, tem pouco valor agregado e, por outro, é isento de tributação pela Lei Kandir, logo não compartilha crescimento com o restante do Estado. Ainda, há um Estado dilapidado por privatizações e endividado nacionalmente, portanto, sem condições ideais de intervir como agente de desenvolvimento. Como e qual modelo de desenvolvimento construir nestas condições? Ou como superar este círculo vicioso?

Não existe solução de curto prazo e nem pensamento mágico. Por um lado, há a necessidade, há anos, de se repactuar o Pacto Federativo. Sem a União, o Rio Grande do Sul não consegue sobreviver minimamente, não consegue arcar com as suas responsabilidades. Por exemplo, na segurança pública, em precisou recorrer ao suporte da Força Nacional. Ou seja, é incapaz de garantir a segurança dos cidadãos com suas próprias forças. Nesta mesma dimensão, a Lei Kandir concedeu duas décadas de isenção de impostos ao agronegócio ao custo da deterioração dos serviços públicos. Ela jamais deveria ter sido promulgada e deve necessariamente ser revogada. Em outra dimensão, o Rio Grande precisa investir na dinâmica do seu mercado interno, a partir da agricultura camponesa, na proteção da indústria local e no incentivo à pesquisa e desenvolvimento aproveitando os instrumentos de ciência e tecnologia existentes, como as universidades públicas e comunitárias.

Porto Alegre foi um berço de think thanks liberais desde a década de 80, influenciando muitos dos novos movimentos liberais de hoje. Também já foi a vitrine do projeto petista, cujo auge foi o Fórum Social Mundial. Considerando ainda que a tendência político-eleitoral do estado não adere a extremos alterando-se, ora a esquerda, ora a direita. Quais seriam os projetos e respectivas forças políticas em disputa hoje no RS?

Há pelo menos três forças. Há o ultraliberalismo, representado pelos atuais ocupantes da prefeitura de Porto Alegre, cuja lógica é estar no Estado para destruí-lo, extinguindo todos os serviços públicos. Há o tradicional projeto conservador, atrasado, incapaz de gerar capilaridade e que uso o aparato do Estado como mecanismo de sobrevivência parasitária. Por fim, há um projeto de, ao menos, proteção dos trabalhadores e trabalhadoras frente a ofensiva de retirada de direitos e do próprio Estado frente ao parasitismo rentista, mas que ainda não tem forças ainda, nacionalmente, para um projeto de maior ofensiva.

Em 2018 a China foi responsável por mais de 29% das exportações gaúchas, caracterizando-se como o principal parceiro comercial do RS. Sendo a China um país disposto a fazer investimentos em infraestrutura, indústria de transformação e tecnologia, tratados de cooperação nesse sentido não seriam uma saída de curto e médio prazo para combater a crise estabelecida no Estado?

Obviamente, desde que a contrapartida seja a permanência de postos de trabalhos e transferência de tecnologia, além do respeito ao meio ambiente. Um projeto chinês de mineração, por exemplo, em nada nos interessa. Projetos na área de desenvolvimento tecnológico e recuperação da capacidade

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